Vamos para o Palhaçudo!

Um peregrino chinês, bicigrinos e Pedra Furada

T4: E8 – Vilarinho – Pedra Furada

Ontem estava eu a descansar, depois de ter feito as obrigações, quando aparece a senhora do albergue com mais um peregrino, do tipo asiático. Ela não sabia falar inglês e estava a explicar as coisas por gestos quando eu me meti no assunto. Assim que viu que eu falava inglês, respirou de alívio e disse «fale você com ele, fale você com ele» e foi-se embora.

O asiático era um chinês, de Hong Kong, com um nome impronunciável, pelo que tinha adotado Charlie como nome ocidental. É interessante esta barreira linguística: nem eu conseguia pronunciar qualquer coisa em cantonês, nem ele conseguiu articular nada em português.

E tentámos, mas deve haver alguma coisa nas nossas gargantas que não funciona. Como o inglês dele era tão bom como o meu, entendemo-nos, às vezes escrevendo no telemóvel um do outro quando a pronúncia era ruim. Mas pronunciei bem Xi Jinping, em mandarim.

 

Estivemos umas boas horas na conversa, ele tirou um ano para visitar amigos e família, pois a sua irmã, que está em Inglaterra, tinha tido um bebé. Puxei a conversa para a política e ele diz que aquilo em Hong-Kong está complicado – formalmente têm liberdade, mas na prática não é bem assim.

E isso está a resultar na imigração de gente qualificada, eventualmente ele, que um enfermeiro de trinta anos (embora parecesse muito mais novo), fará o mesmo se as coisas se agravarem. Ainda por cima, há uma forte entrada lá de chineses da China, o que está a alterar o resultado das eleições.

Um aparte. Ele é enfermeiro, mas eu não falei da minha borrefa de estimação. Não ia dar parte de fraco.

Também falámos do grande problema de Taiwan, não acreditando numa solução negociada, depois de a China ter feito tábua rasa dos acordos com os ingleses.

Estava deliciado com a nossa comida, principalmente o peixe, era fã do pastel de nata, que conhecia de Macau e trocámos mais umas informações históricas. Fiquei a saber que, segundo ele, Hong Kong queria dizer porto bem cheiroso, porque era dali que partiam as especiarias.

Já tinha passado pelo Algarve, pois o voo que o trouxe tinha vindo de Inglaterra para Faro. E mostrou, espantado, um vídeo com a animação que lá havia «às onze horas da noite!!».

Entretanto, hoje às sete da manhã chovia torrencialmente. Arrumei a roupa que não secou em dois sacos de plástico, um para a molhada, outro para a menos molhada e lá arranquei, depois do chinês.

Uma das coisas que me tem acompanhado é a água a correr, seja à vista, seja o som. Aqui até os sinais dão água.

 

 

O percurso foi mais ou menos, mas eu quando vou na estrada vou com tanta atenção ao trânsito que falhei uma seta amarela. Já tinha andado um bom bocado quando tive que voltar para trás.

Já estava quase a chegar ao sítio certo quando uma carrinha comercial abranda e uma mulher com uma forte pronúncia do norte me grita “Santiago? Vire ali à esquerda!”. Estive para me perder outra vez quando uma velhota me disse “Não é por aí, senhor! Não vê ali o sinal?”.

Continuo a apreciar o espírito do Caminho. Junto a uma casa com uma placa onde estava escrito “aqui vive um peregrino” estava um banco para descansar e uma vasilha com um pêro.

 

 

 

Aproveitei e agradeci mentalmente, em inglês. É verdade, sonhei outra vez com o Algarve, mas estou a sonhar e a pensar em inglês.

Já vou encontrando alguns peregrinos, além dos habituais espanhóis e italianos, muitos brasileiros. Será influência do escritor Paulo Coelho? E hoje também passaram bicigrinos, que são os que vão de bicicleta. E voltei a encontrar o chinês, sempre muito curioso.

 

 

Hoje não há jardins… mas temos uma vaca num primeiro andar, um bocado antes de ter passado a fronteira do distrito do Porto para o de Braga.

 

 

Na Pedra Furada só coisas boas. O restaurante da Pedra Furada, onde o menu do peregrino era sopa, pataniscas com arroz de feijão, etc. por oito euros e uma coisa interessante: fazem questão de ter música ambiente portuguesa (na ocasião, Madredeus). O dono diz que já tem ficado surpreendido pelos peregrinos que conhecem as músicas, brasileiros, claro mas, muito estranhamente, asiáticos também.

O albergue do Palhaçudo, da Junta de Freguesia, é impecável e o preço é o que se quiser dar de donativo. Funciona numa antiga escola e perguntando qual a razão do nome, disseram que era assim que os miúdos diziam “Vamos para o palhaçudo!”. E o nome ficou.

Estava com medo de apanhar chuva, mas nem uma pinga nos 21,5 quilómetros de hoje.

 

 

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