Nem só em barcos se faz a pesca

É preciso refletir «sobre a importância de apoiar os pescadores locais e preservar o nosso património marítimo»

 

Quando pensamos em pesca, vem-nos logo à ideia embarcações, mais ou menos enormes, pescadores e, sobretudo, muitas, muitas redes. Estas imagens remetem-nos para a grande pesca comercial, seja a pesca de arrasto, de cerco ou outras formas de captura de elevadas quantidades de pescado.

Podemos até pensar numa frota que pesque em conjunto, em mais do que um barco. Imaginamos o tempo, o tempo a bordo, os dias sem ver terra, o sol, a chuva e o vento. Homens a laborar. Enfim, um trabalho duro…

Mas, por vezes, em imaginários mais profundos, enchemos o pensamento de pescadores locais, com pequenas embarcações, apanhando para consumo próprio ou para vender a quem por ali passa. As canas cheias de linhas, anzóis e chumbadas. Dias tranquilos, mas com as mãos cansadas.

Comum aos dois pensamentos ficam as ondas, o embalo do mar e as gaivotas que por ali esvoaçam, devagar.

Portugal é mar! Um país rico em costa e pleno de tradições ligadas ao mar.

A pesca comercial tem um grande peso económico, especialmente nas zonas costeiras, como o Algarve. Sendo um setor com cerca de 30 mil postos de trabalho em Portugal, a pesca exporta anualmente mais de 1315 milhões de euros. (1)

A pesca comercial em águas externas teve uma grande importância na economia do pescado, sobretudo no período da pesca do bacalhau na Terra Nova e na Gronelândia, bem como o da captura da pescada, do Cabo Branco à Mauritânia. Mas já lá vai o tempo em que esta era a pesca predominante em Portugal.

Atualmente, a pesca está centrada em capturas nacionais, tendo o Algarve dois dos portos nacionais mais importantes em volume de peixe descarregado – Olhão e Portimão. Isto revela a importância da pesca na região e na vida das suas comunidades.

A pesca artesanal, que utiliza artes mais seletivas e dirigidas para a espécie que se pretende capturar, é uma atividade tradicional que, além de ter um menor impacto nos stocks de pescado, tem também um elevado valor social.

As comunidades piscatórias têm um papel fundamental na cultura algarvia, sendo igualmente importantes na  manutenção do funcionamento das cidades fora da época balnear. Mas, sobretudo, são responsáveis pela transmissão de conhecimentos de geração em geração, e pelo sentido de responsabilidade em preservar o mar. É no mar que aprenderam a arriscar a sua vida a troco do seu sustento.

São as tradições e modo de vida destas comunidades, que fazem a nossa cultura, as nossas raízes no Algarve. Mas nem tudo é fácil. Ser pescador é uma profissão difícil, dura e muito exigente. Todos os dias do ano, faça chuva ou faça sol, sempre que o mar o permite – sim, porque é o mar é quem manda, o pescador sai para a faina. Uns dias pesca-se umas espécies, ao virar da estação do ano já se pescam outras. E não se apanha tudo, pois tem de se deixar para amanhã!

Os dias e anos passam e os pescadores sentem-se desapoiados e desmotivados para continuar uma atividade de tão longa data. Às vezes, são outras frotas que competem pelo mesmo peixe, outras são as quotas, e há ainda que respeitar os períodos de defeso e as intempéries que não ajudam.

Certo é que os apoios oficiais são escassos, desinvestiu-se e, acima de tudo, os mais jovens já não querem ser pescadores. As comunidades piscatórias são cada vez mais pequenas, mais raras, as suas tradições e costumes desaparecem, e com elas perde-se todo o conhecimento empírico adquirido pelos homens do mar.

Mas nem só de barcos ou pescadores se faz a pesca!

A indústria pesqueira alberga muitas outras atividades, há profissões que não associamos imediatamente à faina, mas que fazem parte da dinâmica de que vive da pesca. Mas também elas estão em risco de se perderem.

O fabrico de cabos e artes de pesca, todo o mercado de restauração, das lotas ao restaurante, passando pelos médicos veterinários e outros especialistas que estão envolvidos no processo da comercialização do peixe. Há cidades que dependem grandemente das indústrias associadas à pesca, como as atividades de estaleiros, ou fábricas de conserva.

O que outrora movia e construía a cultura das vilas e cidades, perde-se com a desvalorização da pesca em Portugal.

Resta-nos a esperança e com ela as mudanças. O reviver de memórias, o gosto pela tradição, e a tranquilidade que vem do mar. A pesca artesanal reinventou-se com a introdução de uma componente lúdica que une comunidades, para um turismo mais seletivo e sustentável, mas que atrai muitas pessoas para zonas de maior qualidade piscatória. O Algarve é um destino turístico predileto por diversas razões, sendo a pesca lúdica uma delas.

Já se pode encontrar empresas especializadas no turismo de pesca lúdica, no aluguer de material, viagens de barco para bancos de stocks de pesca, aulas de pesca, e todo um inventar de novas atividades.

Ao se fomentar o gosto pela pesca, inibe-se que esta seja uma atividade esquecida. Transforma-se o velho em novo, promove-se a valorização do setor e enriquece-se o território. Mudam-se os gostos, fomenta-se o local e, o que outrora parecia estar a desaparecer, ganha uma nova esperança.

Como consumidores, é nos momentos de decisão que podemos fazer a diferença e apoiar os pescadores e as comunidades locais, comprando peixe capturado por artes artesanais, por pescadores locais, e em zonas que nos são próximas. Contribuímos, assim, para que toda esta história perdure.

Nas minhas memórias, vou continuar, desta forma, a encher o pensamento do pequeno barco, ao pôr do sol, em águas tranquilas, cada vez que ouvir falar da pesca em Portugal.

 

Autora: Luísa Ramalho é bióloga marinha no Centro Ciência Viva de Lagos

 

(1) Dados da Estatísticas da Pesca, 2022

Nota: Este artigo foi desenvolvido no âmbito do projeto PaNReD – Património Digital transformado em Recursos Didáticos Digitais, financiado pelo Programa CRESC Algarve 2020, através do Portugal 2020 e do Fundo Social Europeu (FSE).

 

 

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