Compeed, Fisiogen e Espanha à vista

273 quilómetros depois, (ainda) não é o fim

T4 : E12 – Rubiães – Valença

Juntaram-se três para jantar: um americano, um neozelandês e um português. Todos falavam inglês, mas cada qual a sua espécie de inglês, cada qual com o seu sotaque. Mesmo assim, deu para nos estendermos. O neozelandês era agricultor, tinha feito o Caminho Francês e agora ia até Lisboa. O americano tinha pertencido ao exército e ia para Santiago.

A conversa girou à volta do mundo mas uma coisa é certa: a China esteve sempre presente e a forma como se está a impor está a ser determinante. Tentei puxar o assunto para Portugal e a admiração pelo nosso povo é muito grande.

O americano gosta de escolher as suas rotas, evitando terrenos acidentados para poupar as pernas, mas às vezes era-lhe impossível, pois quando queria ir por um caminho diferente lá vinha alguém a gritar e a dizer que era pelo outro lado, onde estava a seta.

Fomos jantar às seis e meia e o restaurante estava praticamente lotado com mais de uma vintena de pessoas; quando acabámos, por volta das oito, não tinha quase ninguém – horários de peregrino, há que deitar cedo…

O caminho de hoje, na parte inicial, era espetacular, seguindo a antiga “Via Romana XIX”. Num dos troços, bastante estreito, a descer, e com muros altos nos dois lados, ouvi gritar “peregrino!!!”, parei, e passam por mim, pertinho e em alta velocidade, oito ciclistas. Cada um deles me desejou “bom caminho” e eu no princípio ainda fui dizendo “obrigado” mas no fim já dizia “cuidado!” tal a velocidade deles.

O Caminho está bem marcado, com as setas amarelas. Em caso de dúvida era só seguir no sentido contrário às setas azuis, apontadas a Fátima. E toda a gente nos cumprimenta. Desde o pequeno aceno com a cabeça, até ao esfuziante adeus, passando pela discreta saudação com o braço, toda a gente nos saúda com um “bom dia” ou um “bom caminho”.

 

 

 

Esquecendo as estradas do século XX, grande parte desta temporada foi passada em vias romanas e medievais, e em duas ruas, a Rua da Estrada Real e a Rua dos Caminhos de Santiago. Por isto se vê o peso que a história tem por estas bandas.

Hoje cruzei-me três ou quatro vezes com o americano. De cada vez fazíamos um pouco de conversa de circunstância, acabei por perguntar como ele se chamava, Rick, e disse-lhe que o achava “um americano tranquilo”, frase roubada do título de um livro de Graham Greene.

Sorriu e disse que provavelmente era porque tinha passado muito tempo no estrangeiro, desde o Vietname até à Arábia Saudita.

Nesta temporada reparei que há várias espécies de peregrinos: os que vão em grupo, às vezes com camisolas iguais e tudo, os que se vão encontrando pelo caminho e os solitários. O americano nitidamente pertencia à espécie que gosta de andar sozinho e educada e rapidamente me despachava.

A última vez que nos cruzamos foi na fortaleza de Valença, onde demos um aperto de mão e nos despedimos para sempre.
273kms foi o total percorrido nesta etapa.

Passe a publicidade mas carreguei com três companheiros todos os dias, o Compeed para as borrefas, o Fisiogen para hidratar e relaxar as pernas e o Traumeel para as dores nas costas e nos ombros, que uma mochila com dez quilos faz mossa.

Mas essencialmente tive sempre um anjo da guarda, a M., que me acompanhou virtualmente, tratando da logística e preocupada que eu bebesse água e me alimentasse decentemente.

Tirei uma foto junto à ponte internacional sobre o rio Minho, com Espanha à vista, pensando que acabei por atravessar Portugal a pé, do Cabo de São Vicente a Valença, do Algarve ao Minho.

 

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